Viagens Invisíveis

Uma manhã no centro da Cidade do Cabo – história e cultura

Os viajantes do Seculo XIX eram preconceituosos, prepotentes e muitas vezes intelectualmente arrogantes, mas sabiam descrever, ainda de em alguns casos de modo desajeitado, o que viam, fosse grande ou pequeno. (…) Os detratores dos africanos e os que lhes dedicavam palavras amigas tinham em comum o fascínio pela Africa. Desde os autores quinhentistas, via-se o continente, não resisto ao paradoxo, ensolarado de mistério. 
Alberto da Costa e Silva, Imagens da África.
 
Com esta expectativa, em busca do mistério do “nosso” continente originário, cheguei à África do Sul. Visitar este país com a tentativa de liberação de todos os preconceitos em relação à pobreza, desigualdade social, ao escândalo de um regime segregador que chegou bem próximo do Seculo XXI, de peito aberto, ao máximo que se pode tentar.
 
A impressão da Cidade do Cabo foi das melhores possíveis. Em verdade, poucas vezes a chegada se dá de forma tão tranquila e agradável. No aeroporto pegamos um taxi pré-pago na saída, depois de rápida pesquisa entre os disponíveis, Centurion por 220 rands (cerca de R$50,60). O aeroporto não é perto, então pareceu justo. 
 
John, o proprietário do An Africa Villa, nos orientou em um bom passeio para sábado pela manhã, caminhar pelo centro, já que este fica um pouco mais deserto e perigoso no sábado à tarde e domingo (como quase todos os centros históricos urbanos).
 
Caminhando, começamos pela Long Street, uma avenida comprida repleta de bares e lojas interessantes. Ainda tinha pouco movimento, mas acredito que deve ferver à noite. Muitas fachadas com lindos balcões vitorianos de ferro bem conservados.


Nos térreos de tais casarões de tudo um pouco: cafés, lojas de discos, de roupas estilosas, pequenos mercados, floriculturas… Alguns ainda marcam o ano de construção – como este de 1896.
 
Descendo a avenida, a arquitetura muda completamente. Vemos prédios altos, espelhados, alguns atuais, outros do Seculo XIX, mas já de arquitetura modernista. Adentramos no The Company Gardens, jardim público incrustado no centro financeiro da cidade, onde as pessoas descansam do trabalho, fazem piquenique, ou simplesmente se divertem com os esquilos adestrados* (explicação logo abaixo). 
Este é o prédio belíssimo do Parlamento, que infelizmente não estava aberto para visitação. 


Sim, vimos muitos pedintes e moradores de rua, todos negros. Não fomos molestados por nenhum deles, mas me fez lembrar do centro histórico de Salvador. Esperava várias aproximações, por viver na cidade mais africana do Brasil, infelizmente esta foi a primeira.


Voltando aos esquilos. Bem, são uma graça  certamente adestrados pelos anos de convivência ganhando comida fácil  Basta parar, fazer um som e chamar com os dedos que eles vem, ficam em pé e cheiram sua mão. Bem mais divertidos do que os arredios que vimos na Cidade do México.


No meio do gardens, ha uma estátua horrível  Vimos poucas estátuas por aqui, acho que não é o forte da cidade. Ou talvez o objetivo era fazer uma paródia com o ambicioso inglês, Cecil Rhodes, que veio pilhar diamantes e fazer fortuna em solo africano. Talvez esta figura robusta, de trajes folgados dando noção do exagero corporal e ar de bonachão, foi uma piada de algum bem-humorado anarquista. Ela fica no centro do Gardens.


Buscando outras imagens, verifiquei que esta não é a imagem original. Kleiz tirou a seguinte foto temos esta imagem:

 
Prefiro a paródia!
Bem próxima ao Gardens está a Catedral Saint George, onde um homem bem mais notável realizava as suas pregações descumprindo a lei do apartheid, Desmond Tutu, que por sua luta pelos direitos humanos ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 1984. 
A Igreja Anglicana é muito bonita por fora, toda de tijolinhos e estava preparada para os festejos da Páscoa.



A St. George’s Cathedral é de 1901 e tem esta bela rosácea em vitrais, além de outros vitrais internos, como se vê acima.


Logo em frente está a St. Georges Mall, um largo calçadão, que lembra bastante as ramblas de Barcelona, com várias barracas de objetos diversos, flores, animais e artesanato. Ao longo da avenida, também existem agradáveis cafés, com o único inconveniente da cobiça dos vendedores e artistas performáticos que se apresentam.


Muito próximo da St. George’s está o Greenmarket Square, uma feira de artesanato e produtos locais bem interessante. Instalada neste local desde 1806, tem até uma placa comemorativa e bons preços de artesanato. O centro é um bom lugar para este tipo de compras, bem mais barato do que no Walterfront.





Muito próximo está também o prédio da prefeitura com uma enorme praça à frente e um comércio bem popular, cuidado apenas com os furtos no local, já que há muito movimento.

Mas para mim o mais interessante de todo o centro histórico de Cape Town foi conhecer o District Six Museum.


Na rua quase em frente ao Castelo da Boa Esperança,  encontramos em um casarão reformado a história de um dos mais cruéis regimes segregadores que o mundo já viu.
Em 1966, um bairro inteiro, que concentrava quase 10% de toda a população da Cidade do Cabo, foi declarado “área branca”. Assim, por decreto, o governo começou a retirar à força as pessoas de suas casas.


Famílias que tinham vivido a vida inteira naquele local foram desalojadas e suas casas inteiramente destruídas. 60 mil deslocadas para um local árido e distante 25km da cidade.
O local ficou tão marcado pelo sofrimento daquelas pessoas, que sequer houve a construção de um novo bairro branco.  


No Museu estão os objetos encontrados na fase de repovoamento do local. Criado em 1994, as famílias puderam retornar e reconhecer seus objetos, marcando o local exato de suas antigas residências em um mapa que se encontra no chão do Museu.


O District Six Museum é um local de lembrança e também de homenagem às pessoas que fizeram resistência e não aceitaram a absurda imposição estatal, ficando até o último minuto na tentativa de reverter aquela decisão desastrosa.


Esta é a visão do primeiro andar, com as placas dos nomes das ruas formando uma espécie de instalação. O museu é pequeno, tem um café bem agradável com um atendente idem que adora conversar. A entrada custa meros 45rands, cerca de R$10,00, mas poderia custar muito mais pelo sentimento de conhecer a história viva!


Voltamos pelo Castelo da Boa Esperança, que embora tenha seu valor por ser de 1666 e ser bem bonito de fora, não nos estimulamos a entrar.


Do Castelo se tem uma bonita visão da Table Montain, onde descobrimos não ser nada difícil se apaixonar pela Cidade do Cabo, “uma cidade pródiga de beleza, de beldades”. Coetzee, Desonra.


O resumo do passeio:


Ver Centro da Cidade do Cabo num mapa maior

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