Nunca comentei, mas, em verdade, não sou soteropolitana, embora resida aqui há mais de 25 anos e aqui tenha construído a maioria dos meus laços afetivos, inclusive com a cidade e suas formas invisíveis. Este tempo, grandessíssima parte de minha vida, não foi suficiente para me fazer sentir uma verdadeira soteropolitana e talvez seja a síndrome de Gonzagão “quem sai da terra natal, em outros cantos não pára”, que me tornou esta aspirante a viajante.
Em todo este tempo, nunca tinha ido em qualquer festa de largo de Salvador: Conceição da Praia, Iemanjá, Lavagem do Bonfim ou Bom Jesus dos Navegantes (esta no mar). Este blog me despertou para esta viagem. Talvez fosse a hora de embrenhar na aventura de imergir no sentimento de Salvador, ao mesmo tempo lembrar que talvez nunca venha a me sentir uma soteropolitana, já que meu reconhecimento está na cidade de Senhor do Bonfim, norte da Bahia.
E esta festa não seria a forma mais adequada então?
Antes, porém, tive a ajuda importante de Eduardo Gantois, já que o seu blog traz informações pormenorizadas com o percurso, informações históricas, até lindas fotos antigas e novas que demonstram as mudanças da paisagem do cortejo. Uma outra informação constante no seu blog me fez ter a certeza de que deveria ir à lavagem do Bonfim. Em uma parte do cortejo está a lindíssima estação da calçada (atualmente abandonada, como muitas coisas nesta cidade). Acontece que esta estação, construída em 1853, foi realizada para se estender até Juazeiro (de acordo com Eduardo Gantois), ou seja, passaria por minha cidade Senhor do Bonfim, e assim foi.
Então os trilhos que há muito eu pisei e a ferrovia sobre a qual ouvi estórias durante toda a minha infância, começaram aqui em Salvador, na estação da Calçada. E este caminho venal de Senhor do Bonfim a Salvador a Senhor do Bonfim vou cumprir, reverenciando a minha cidade, retornando àquela que me acolheu.
E envolvendo-me silenciosamente no que o Eduardo Gantois ensinou, observando cuidadosamente este conjunto arquitetônico da cidade baixa, minha casa e meu alimento, passando por ela a pé, coisa que nunca fiz. É esta caminhada, sobretudo emocional, que exponho aqui.
E, mui bem acompanhada e atrasada, enlacei-me ao cortejo, seguindo junto à turba trabalhada no branco-oxalá, pude perceber quanta gente distinta e diversa passeia pelos 6,5 km da Igreja da Conceição da Praia à Colina Sagrada. E só em Salvador, mesmo quem não tem fé, vai a pé.
Saímos do bairro da Graça, em direção à Igreja da Conceição da Praia. No caminho, contudo, o viaduto da Av. Contorno nos lembrou do abandono da cidade. Este é o único”passeio” para pedestre no viaduto:
Após o viaduto, está uma imagem que nos faz esquecer das questões políticas: Av. Contorno e sua vista única para a Bahia de todos os Santos.
Entrada do Solar do Unhão – Museu de Arte Moderna.
Chegamos atrasados à Igreja, às 11h não haviam mais baianas e as suas portas cerradas mostram o quão distante estamos de um verdadeiro sincretismo religioso ou, no mínimo, de uma aceitação mútua entre as religiões.
Mas o profano já estava lá, bem em frente à Conceição da Praia, com uma parte da bateria do Muzenza.
Alguns simplesmente esquecem da caminhada e ficam a flanar pelas proximidades do mercado modelo.
Da Igreja da Conceição da Praia seguimos pelo Mercado Modelo e entramos na Av. Miguel Calmon. Nos últimos 05 anos a região do Comércio mudou bastante e uma certa “revitalização” tornou o bairro um pouco mais seguro à noite, especialmente pelas várias faculdades que se instalaram nos prédios históricos.
Encontramos blocos de samba e até de frevo de Recife.
Pierrôs divulgando o carnaval de Maragogi (cidade próxima a Salvador, que tem um carnaval “como os de antigamente”).
No caminho uma fitinha ou uma frutinha?
Após o Museu do Ritmo de Carlinhos Brown, iniciamos na Calçada. À esta altura, muitos já tinham parado em algum som ou restaram pelo meio do caminho. Com a proibição de participação dos jegues, alguns providenciaram outro meio criativo de levar música
No largo da Calçada, em frente à Estação de Trem o corpo de bombeiros proporcionava um esfria na turma. Ainda estávamos no meio do percurso e a sensação térmica era de qualquer coisa em torno de 80º (alguns podem contestar esta afirmação, mas quando passei pelo caminhão dos bombeiros, quase não sai mais).
Tempo de carnaval e de protesto, bem típico das festas de largo de Salvador.
Nos Mares encontramos os Filhos de Gandhy e ao som do afoxé adentramos no Bonfim até a Colina Sagrada e o seu manto branco.
A igreja do Bonfim já tinha sido lavada, mas os fiéis ainda se espremiam para amarrar uma de suas fitinhas ao portão da Igreja.
O portão da Igreja já estava repleto de fitas e o seu colorido contrastava com os pais/mães de santo que aplicavam o banho de folha e de cheiro em quem desejasse, com suas lindas túnicas brancas bordadas.
E ali no meio de tantas fitinhas um pequeno objeto que anunciava uma graça alcançada ou um pedido, uma promessa de vida nova para o ano de 2012.
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