Estar em Petra na Jordânia era um dos meus grandes desejos de viajante. Passear pelas ruínas nabatéias, caminhar pelos labirintos de pedra, me imaginar como Buckhardt encontrando caminhos pela primeira vez, com o primeiro olhar ocidental sobre as pedras e poeira.
Curta história do desaparecimento e aparecimento de Petra
Os edifícios de Petra datam de vários anos antes de Cristo. Há ruínas do Séc. 1 a.c. e a cidade chegou a ter 30 mil habitantes, com mais de 800 construções catalogadas. Como quase toda grande metrópole antiga da rota da seda, foi invadida por romanos, bizantinos e cruzados, até ser esquecida pelo mundo.
Um terremoto em 363 d.C destruiu grande parte da cidade e apenas ruínas permaneceram, ocasionalmente visitadas por beduínos.
Em 1812, o jovem Johann Ludwing Burckhardt, no espírito da sua época, soube da existência de tais ruínas. Após convivência com beduínos árabes, se converteu ao islamismo e passou a viver entre os povos nômades locais. Um desses beduínos o levou até as ruínas e Burckhardt a revelou para o mundo.
Patrimônio da Unesco desde 1985, Petra é o principal destino turístico da Jordânia e seus 50km² são percorridos por turistas de todo o planeta.
Cheguei entusiasmada a Petra, mas o caminhar de quase cinco quilômetros em areia e sol, com algumas faixas de sombra proporcionadas pelos largos cânions à esquerda e à direita, vai acalmando o espírito.
O impacto indesejado
Após quase uma hora de caminhada em um piso instável e arenoso, o cansaço apazigua a excitação. A paisagem deixa de ser tão impactante e passamos a olhar uns para os outros.
Passo a passo, sentindo no corpo o sopro dos turistas idosos em carrinhos de golfe e nos ouvidos, outros, mais barulhentos, que pareciam se divertir charretes e burros.
A cada momento em que um animal cansado passava por mim, sentia o peso em suas espinhas, o suor embaixo das celas, o odor das feridas em seus lombos. A cada turista sorridente, eu era a turista querendo voltar para casa.
O tesouro e os tesouros de Petra
Ao chegar ao Tesouro (Al-Khazneh), primeiro e mais impactante edifício de Petra, tentei esquecer a terrível primeira impressão. Vimos aquele prédio tão repetido em revistas de turismo e ainda assim assombroso!
O Tesouro, Al Khazna, está logo após o Siq (caminho de cânios de petra em tons de rosa e amarelo). São 40 metros de altura em arenito esculpido com figuras, pilastras decoradas e muitos detalhes. Como o Taj Mahal, é uma tumba real.
Quanto mais nos aproximávamos de Al-Khazneh, mais pessoas vendendo souvenirs, mais crianças em volta oferecendo todo o tipo de adereço, mais animais à disposição para os corpos humanos cansados.
Em um determinado momento, enquanto todos observavam atônitos os elementos e detalhes da fachada inerte do tesouro, meu sobrinho sentou-se com o celular em uma das pedras.
As crianças em volta, crianças que há poucos minutos tentavam nos vender adereços, colares, lenços e passeios de burro, foram se aproximando delicadamente. Cada um tentando olhar o jogo de soslaio, participando das decisões rápidas tomadas por dedos infantis.
Nenhuma língua era compartilhada, somente um momento de vida, o ponto em que ser criança é o único elemento que ligava todos eles e era suficiente.
Em poucos minutos, eles se afastariam, um a um, retornando ao seus afazeres adultos, ao trabalho e à solene rejeição ou o condoimento dos turistas.
Seguimos caminhando, com todo o tipo de dificuldades. Do tecido arenoso que cobria o chão a breves tempestades de areia, de longos declives a prédios em montanhas praticamente impossíveis de alcançar.
O Monastério é um desses edifícios que requer vigor físico de atleta. São 800 degraus até o prédio e, pela quantidade de pessoas no seu cume, imagino que o número de super humanos é maior do que o Guinness pressupõe.
Não subi ao monastério, não consegui arrancar da alma a disposição física necessária, mas pude confirmar que se trata do maior monumento preservado da cidade. Com 47 metros de largura e 48 metros de altura, é um dos poucos em que se pode adentrar.
Passamos por teatros romanos, milhares de tumbas, colunas, aquedutos, prédios muito bem conservados e outros em que a tecnologia ajuda a imaginação.
O Teatro abriga até 4.000 pessoas em seus degraus e por vezes acontecem concertos e shows comemorativos. É considerado o único teatro inteiramente entalhado na rocha.
Os tons de Petra variam do avermelhado ao amarelo, com predomínio de um tom de rosa belíssimo. É impossível não se deixar seduzir por alguns minutos.
De um lado e do outro tumbas reais a uma altura que desafia o olhar. As tumbas reais foram adaptadas como igrejas bizantinas, enquanto a avenida das fachadas, além de abrigar tumbas, também guardavam ferramentas usadas na construção da própria cidade de Petra.
Embora a maior parte dos prédios esteja em ótimo estado de conservação, especialmente se pensarmos na idade de tais construções, outros não existem mais. Em alguns pontos, há hologramas que facilitam a visão de como era o horizonte dos edifícios destruídos.
Petra foi para mim como um encontro dolorido, momentos de felicidade intensa, de memórias de uma infância de risos ao assistir Indiana Jones e ter a mesma impressão do personagem ao chegar no tesouro.
Outros momentos de mal-estar profundo, o trabalho infantil, a exploração animal que alimenta turistas sorridentes como eu, bobos da corte, grandes bufões a serviço de um turismo explorador e sádico.
Assim como em Veneza ou em Belém encontrar cidades reais em ambientes fantasiosos, talvez nos provoque um espanto inesperado.
A verdadeira Petra, solenemente ignorada pelos relatos de viagem e que cede o lugar, resignada, a essa outra Petra, o lugar de sonho.
Dicas práticas
Abre às 6h até as 17h. O ingresso é 50 JD (aprox. US$75) pela visita de um dia. Podem ser comprados diretamente no balcão de ingressos na chegada ao centro de visitantes.
É possível conhecer Petra à noite, o Petra By Night, que custa 17JD (aprox. 24USD), em um tour de 2horas que sai todas as segundas, quartas e quintas-feiras. A Mari Campos, jornalista excepcional de viagens, indica o passeio.
Chegamos à Petra partindo da fronteira com a cidade israelense de Eilat. A moeda da Jordânia é muito valorizada, o que a transforma em um destino caro, temos dicas de como economizar na região neste post.
Dando a César o que é de César
Inesperadamente, há uma placa na entrada do Siq de Petra e indicações no folheto turístico. Ambos alertam para a denúncia no caso de exploração animal e pedem para que não se fomente o trabalho infantil.
Mais do que um alerta, me pareceu um aviso sarcástico.
A exploração animal e infantil está à olhos vistos em todo o circuito da cidade, imputar ao turista a responsabilidade de combater esses absurdos é, no mínimo, irônica.
Afinal, nós não consumimos o serviço animal, nem alimentamos o trabalho infantil, mas não seria responsabilidade do sitio combater os dois de forma incisiva?
4 Comentários
Mari Campos
20 de outubro de 2019 em 15:04Morro de saudades deste lugar! Que bom que vcs curtiram <3
viagensinvisiveis
29 de outubro de 2019 em 21:04Obrigada pela visita!! Beijão
Raquel Cardoso Guirra
28 de outubro de 2019 em 21:27Lindas fotos, lindo texto. Nós, turistas, nunca devemos deixar de ter um olhar crítico e reflexivo sopre os lugares que visitamos e o impactos deles sobre nós e sobre nosso pensamento de justiça e ética. Parabéns
viagensinvisiveis
29 de outubro de 2019 em 21:04Verdade, tentar ser gente mesmo sendo turistas… Obrigada pelas palavras, te amo!