Algumas cidades parecem se resumir aos seus bairros mais famosos. Em Salvador, o check list aponta logo o Pelourinho, em São Paulo a Paulista, em Barcelona as ramblas e assim poderíamos listar uma enormidade de outros exemplos. Em Nova Orleans, todos os guias apontam para o French Quartier, mas Nova Orleans está muito além do French Quartier.
É bem verdade que em Nova Orleans cabe uma vida. Tantos apostam nessa máxima e se mudam para uma casa colonial com balcões espanhóis e muita festa a poucos quarteirões de distância.
Ao se pensar que essa cidade sofreu todo tipo de trauma natural e humano, o mais grave com o furacão Katrina e que, após 300 anos de história, hoje floresça abundante, com vida cultural intensa, além de uma arquitetura única, é de se aplaudir.
Acima de tudo Nova Orleans é um caldeirão, de tal sorte que a língua francesa, espanhola, inglesa e uma mistura disso tudo no idioma criolo, aparece na cidade e lhe dá um aspecto único nos Estados Unidos.
À noite, o French Institute, chato. Mas vamos a uma boate de negros com o Dr. Jerry Winter. Rocco, o pianista negro mais formidável que já ouvi há anos. Toca de pé, diante de um piano sobre rodas que ele vai empurrando. O ritmo, a força, a precisão desse modo de tocar, e ele, que participa, que pula, dança, joga a cabeça e os cabelos para direita e para a esquerda.
Impressão de que só os negros dão a vida, a paixão e a nostalgia neste país que eles colonizaram à sua maneira.
Albert Camus, Diário de Viagem.
De certo, o French Quartier tem seus encantos, contei mais sobre eles nesse post. Contudo, em outros bairros e ruas uma vida pulsa, especialmente entre moradores mais jovens e com a loucura sob controle, o oposto do French Quartier.
Lugares fantásticos de Nova Orleans, além do French Quartier
Canal Street
Inicialmente, comecemos pela Canal Street, uma avenida que é praticamente um bairro. É essencialmente comercial, mas tem seu charme. A combinação de imponentes edifícios históricos com bondes (também antigos) cruzando toda a extensão da avenida encanta todos os dias.
Também é lá onde descansam os melhores hotéis da cidade, como o Hitz-Carlton cinco estrelas, em que os hóspedes têm que desviar os bêbados ao dobrar a esquina. Surpreendentemente, esse é o espírito de Nola, onde a decadência caminha lado a lado com a opulência. Como já dizia a cantora Débora Blando, “decadence avec elegance”.
De certo, a vantagem de ficar na Canal Street é a proximidade do French Quartier e da linha de bondes que serve Nova Orleans. No bairro também há muitos teatros e casas de espetáculos, além de cafés e muitas, muitas lojas.
Além disso, é da Canal St que parte o conhecido bonde número 12 verde, um bonde normal se seu trajeto não fosse, por si só, um passeio turístico.
Garden District
Exatamente esse bonde histórico, um pouco desconfortável pelas suas cadeiras de madeira, que adentra o Garden District e parece nos transportar para outra dimensão.
Esqueça os bêbados e os festeiros, aqui o que vemos é um desfile de casarões antigos, no chamado estilo sulista, muito conservados, com jardins frondosos e flores por toda parte.
Entre uma mansão e outra, uma Igreja, a Universidade Loyola, um café, um cuidador de cachorros. Mais adiante, um parque em que alguns poucos moradores se divertem jogando beisebol.
Inegavelmente, é um bairro lindo, mas falta vida. As casas são enormes e parecem carecer de pessoas para preencher os espaços.
Ao chegar na estação final, outro bonde retorna pelo caminho contrário. Mais mansões, jardins e uma vida abastada e misteriosa passando pelos nossos olhos.
“O policial Mancuso aspirou o cheiro de mofo dos carvalhos e pensou, num aparte romântico, que a St. Charles Avenue deveria ser o lugar mais adorável do mundo. De vez em quando ele ultrapassava os bondes vagarosos e balouçantes, que pareciam se mover preguiçosamente em direção a nenhum destino específico, seguindo suas rotas entre as velhas mansões que ladeavam a avenida. Tudo parecia tão próspero, tão confiante”
Uma confraria de tolos, John Kennedy Toole
Magazine Street
Bonita e mais pessoal é a Magazine Street.
O objetivo ao visitar esse bairro era conhecer o restaurante Shaya, do chef Alon Shaya. De comida israelense, estava ansiosa para provar o pão pita recém saído do forno à lenha e o hommus.
Não nos arrependemos. Tudo foi perfeito e bem servido. Sobretudo, para a nossa sorte, saciar a fome nos trouxe a um bairro lindo e eclético.
Primordialmente, a Magazine Street está no meio de um bairro residencial, mas a avenida principal é inteiramente comercial. Além disso, tem lojas que parecem ter saído de um túnel do tempo.
Lojas cooperativas, livrarias, choperias artesanais, design autoral de roupas a objetos para a casa. Entre uma loja e outra, jovens sentados em pubs e restaurantes, caminhando ou se deslocando em patinetes e bicicletas elétricas.
Só para ilustrar a fofura da Magazine Street, uma filial da loja vintage Peaches Records abrilhanta o final da rua principal, com seus vinis e pôsteres de bandas famosas e nem tanto.
Só o clima da loja já merece a visita ainda que não se compre nada.
De certo, toda região da Magazine Street vale uma tarde despreocupada, sem outros compromissos, senão percorrer algumas de suas lojas, restaurantes e cafés. Sobretudo sentar em uma espreguiçadeira à disposição na porta de alguns bares e esperar a vida passar, com um bom drinque à mão.
Faubourg Marigny
Do outro lado da cidade está o bairro Faubourg Marigny. Muito frequentado pela oferta de hospedagens mais baratas e pela proximidade com o French Quartier e a Canal Street. De certo é um bairro interessante arquitetonicamente e muito especial pela profusão de street art.
Inicialmente, é aqui que vemos a maior quantidade de casas em estilo criolo. Feitas de madeira, com apenas um piso e elevadas para evitar o risco de enchentes, elas estão aos montes no bairro de Faubourg Marigny.
Surpreendente em tudo: Uma igreja de aparência abandonada, que em verdade é um teatro, um antigo mercado reformado com ótimos restaurantes dão a tônica do bairro.
Em Marigny tudo parece antigo, meio decadente e até abandonado, mas apenas parece… É cuidadosamente planejado para estar assim.
O Mercado St. Roch é a grande atração turística de Marigny. Não apenas abriga vários restaurantes em estilo self service, mas também esses restaurantes são muito charmosos.
O St. Roch Market foi originalmente criado como um mercado estatal ao ar livre 1875. Depois de sobreviver à Grande Depressão, o local histórico evoluiu para um mercado de frutos do mar final do século 20, que é como o conhecemos.
Inegavelmente é um pouco caro, mas compensa a decoração e o clima descontraído e jovem.
Saí de Marigny pensando: onde estão os velhos dessa cidade? Ao esperar o uber, um casal sentado na varanda de um pub local me deu a resposta: – talvez estejam bebendo em algum outro lugar…
Dicas práticas de Nova Orleans
Onde ficar
Inicialmente, escolhi um apartamento na Canal Street e foi uma ótima opção. Perto da French Quartier, mas não tão perto a ponto de tropeçarmos nos festeiros, fizemos muita coisa a pé, como o parque Louis Armstrong.
O apartamento possuía duas suítes enormes, uma cozinha linda com os utensílios necessários, o que facilitou bastante nossas manhãs de ressaca.
Nos dias em que não queríamos cozinhar, tomávamos um café no The Daily Grind Coffee Co, logo embaixo do apartamento. Ainda no mesmo prédio há um hotel, o The Jung Hotel & Residences, com um restaurante muito bonito, mas que não adentrei.
Certamente recomendo muito o apartamento e só guardo boas lembranças da estadia.
Onde comer
De pronto, na Magazine St provamos o Shaya. Excepcional restaurante de comida israelense. Essencial fazer reserva pelo site e tem preços adequados à Nola.
Entre a Canal Street e o bairro de Marigny está o Bevi Seafood Co. O po-bo é um sanduíche típico da cidade feito normalmente com frutos do mar em uma baguete francesa.
No Bevi Seafood Co além do po-bo delicioso, também serve outra iguaria típica da região: pitus. Esse crustáceo parente da lagosta e do camarão, de água doce, é servido cozido ao vapor e bem apimentado.
Acima de tudo, o segredo para os que não são fãs de pimenta é tentar provar sem encostar na casca.
Do mesmo modo, nas imediações da Canal Street está o restaurante Acme Oyster House, de frutos do mar, onde comemos deliciosas ostras gratinadas na brasa. Uma boa opção próxima ao French Quartier.
Ainda em Marigny recomendo o Mercado de San Roch com opção para todos os gostos e quase todos os bolsos, considerando o dólar na estratosfera que vivemos hoje.
Em Nova Orleans comer e beber são imperativos, não fuja a essa regra e seja feliz!
Ao propósito, outros posts sobre a cidade aqui. Nos Estados Unidos conhecemos outros lugares legais que fogem o convencional, como Wynwood em Miami.
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