Viajar é mergulhar em um rio escuro. Por mais que saibamos que ali não existem monstros ou que a água é potável, nunca podemos ter a segurança do que vamos encontrar. Quando eu li o post do blog Cuore Curioso decidi que iria procurar a hospedagem em um hutong em Pequim. Tudo baseado nos nossos apetites de viagem: bairro residencial, comércio local, mas também um pouco de agito e restaurantes para ir à noite.
Encontrei o pequeno hotel Beijing Rong Courtyard Boutique que me parecia ideal: poucos quartos, decoração tradicional e comodidades como wi-fi, aquecedor e ar condicionado. Eu não tinha a menor ideia de onde estava me enfiando. E que bom que foi assim!
Hutongs são bairros históricos criados na Dinastia Yuan (1206) e que foram ampliados nas Dinastias Qing (1368) e Ming (1644). Muitos dos que faziam parte das dinastias Ming e Qing ainda resistem, outros foram derrubados para a construção da “nova Pequim”. A cidade moderna e seus arranha céus.
Para nossa sorte, outros foram conservados e entregues aos funcionários do alto escalão do partido comunista. Atualmente essas residências foram vendidas ou entregues a investidores para transformá-las em hotéis e outros empreendimentos.
No início da criação dos hutongs, eles eram formados de casas conjugadas com pátios. A maioria dessas casas não possuíam banheiro e diversas famílias habitavam, disputando o espaço. Até hoje a ausência de banheiros internos é a regra, por isso, não se assuste se encontrar alguém de pantufas com um papel higiênico a caminho do banheiro público (aconteceu conosco).
A imersão neste resquício da China antiga começou quando o micro-ônibus que nos pegou no aeroporto não pode entrar na rua. Era estreita demais! Descemos todos, 10 pessoas caminhando em um corredor de terra, que depois virou calçamento. Caminhamos entre motos e carros estacionados, quitandas, restaurantes populares e uma enorme quantidade de becos por todos os lados. Até que chegamos nas portas vermelhas, minhas conhecidas pela foto do booking.
Não demorou muito para que nos encontrássemos no coração de Pequim. E não, o coração de Pequim não está na cidade proibida, onde estão os turistas, para nós está no Mao’Er Hutong.
Casais, adolescentes, mães com crianças, empresária(o)s saindo para o trabalho, turistas, toda espécie de gente em uma avenida de pedestres que reúne a mesma diversidade em lojas. Doces, sorvete, sopa de caranguejo 😬, tripa frita, churros, pubs, starbucks, mil e uma lojas de quinquilharia e souvenir, papelarias cheias de locais, roupas, óculos e até teatro.
Todo Hutong tem sua avenida principal, a artéria que irriga os milhares de becos. No Mao’er é a avenida Luogu Alley que pulsa e magnetiza, tornando impossível ser indiferente a tantos chamados. Chegamos à noite, quando a rua ganha uma vida nova, parcialmente adormecida durante o dia.
No bairro de Sichahai coexistem alguns hutongs, todos com uma vida comercial própria.
Nosso primeiro contato com a comida chinesa foi em um restaurante na esquina com outra avenida excelente, a Gulou (que só não tem o mesmo charme por não ser exclusiva para pedestre). Ninguém falava inglês, mas o cardápio tinha foto, 1×0 para nós. Quase tudo estava terrivelmente apimentado, 1×1 para a China.
Sem desespero, encontramos um pub com hamburgueria, a Slow Boat logo ao lado, na mesma Gulou. Cerveja artesanal chinesa, 2×1 para nós.
E assim foram os cinco dias em Pequim. Posso até dizer que ficava ansiosa em voltar para o “meu bairro” e desbravar mais um pub, restaurantes, lojinhas e cervejarias. Um lago aqui, uma rua histórica acolá, uma torre de 634 anos aqui e uma loja de chá acolá… Uma acolhida perfeita, como nunca imaginaria ao escolher um hutong para me hospedar.
Esqueça WangFuJing com seu comércio para as massas e grandes shoppings. Fique em um Hutong para ser picado pelo charme das casas cinzas, difícil é não querer voltar.
O que ver em Shichahai
Torre do Tambor e do Sino
As torres históricas do Tambor (Gonglu, 1380) e do Sino (Zhonglu, 1384) são os elementos históricos mais importantes da região de Shichahai. Erguidas no Século 14, a torre do Tambor foi erguida em madeira em um local próximo e em 1582 levada para a praça onde hoje se encontra, em frente à torre do Sino. A praça é muito agradável e as famílias levam suas crianças para andar de patins e skate, já que é plana e calçada.
A torre do Sino também era de madeira, mas foi incendiada e novamente construída em alvenaria em 1700. Conta a lenda que a filha do ferreiro, diante do esforço do pai em construir um sino que soasse alto, se atirou dentro do bronze derretido para atrair a simpatia dos deuses. Ao cair, deixou os chinelos para trás. Assim, nas noites de tempestade o sino emite uma nota que soa como a palavra xie (chinelo). Não vimos o sino tocar, então não sei que parte da lenda não é verdadeira.
Entre as duas torres, há um bar com terraço, em que vale tomar uma cerveja e apreciar a vista panorâmica, o Drum and Bell Bar.
Lago Houhai
Quase em frente à Estação de metrô Shichahai, está uma ruela que leva ao lindo lago de Houhai. Repleto de pubs ao longo de sua extensão e de comércio em suas vicinais, é um local maravilhoso para ver o por do sol.
Os locais utilizam o lago para lazer, caminhar com bichos de estimação ou andar de pedalinho. No período entre março e abril, há uma variedade enorme de flores, inclusive das delicadas cerejeiras, tornando o lugar ainda mais sensacional.
Lago Qianhai
O lago Houhai é vizinho do lago Qianhai e fazem parte da mesma extensão. O lago Qianhai, contudo, tem um comércio mais elegante, com lojas mais caras e um visual mais impressionante. Em compensação não tem a vibração do lago Houhai.
O comércio das ruas Luogu Alley, Gulou e Yandai
A intensidade do comércio do bairro histórico de Shichahai impressiona. São lojas variadas e coladas umas às outras em longas avenidas. Durante o dia, a tranquilidade reina e as lojas só estão em pleno funcionamento às 10h da manhã. Para compras sem estresse, o horário da manhã é o melhor.
Já à noite, o comércio muda de figura, são mil jovens flanando de um lado para o outro, lojas lotadas, muita comida de rua (com cheiros nem sempre agradáveis).
Conhecer os dois momentos para descobrir o que mais lhe apetece é essencial e o maior burburinho se concentra nas ruas Luogu Alley, Gulou e Yandai. Compramos camisetas com estampas muito originais, material de papelaria (marcadores de livros, imãs) na Luogu Alley, canecas de porcelana na Yandai e vi muitas lojas de roupas autorais na Gulou.
Também na Gulou provamos o sorvete de casquinha com sabor chá verde, espantosamente gostoso.
As cervejarias e restaurantes escondidos nos becos de Shichahai
Provamos cerveja artesanal na Great Leap, recomendada por 10 entre 10 guias de Pequim. A Slow Boat também não fica atrás e todas as duas ficam próximas do Mao’er hutong.
Em termos de restaurantes, não estávamos menos servidos. Jantamos em um italiano ótimo, o Mercante última foto. A primeira foto é de um restaurante que fica na rua Luogu Alley, no Pequim Young Hostel. O interessante desse restaurante é que está nos fundos de uma floricultura, o que torna o ambiente super agradável. Além disso, o cardápio é internacional, perfeito para quem já enjoou de comida chinesa.
Selecionei as fotos das comidas que gostamos, os perrengues de viagem relacionados à comida na China narrei nesse post.
Onde ficar
Nós ficamos no Beijing Rong Courtyard Boutique Hotel, um pequeno hotel de 8 quartos no centro do Maoer Hutong. Todas atrações que descrevi no post fizemos a pé, a curtas caminhadas. A pousada está próxima de duas estações de metrô e o melhor de linhas diferentes, ou seja, definíamos qual pegar pelo número de baldeações de cada até o destino.
O atendimento foi ótimo, em uma noite minhas irmãs aproveitaram uma cerimônia do chá, feita por uma das recepcionistas. Todos os quartos possuíam ar condicionado, banheiros ocidentais e privativos. O hotel também nos providenciou a visita à muralha por um preço melhor do que o centro de informações turísticas.
A pousada não tem café da manhã incluído, mas tem uma máquina de café (daquelas que se coloca uma moeda), além de inúmeros mercadinhos e lanchonetes na região. A internet funcionou bem todos os dias, inclusive pude trabalhar sem contratempos, bastava usar um VPN, pois vários sites, inclusive o google são proibidos na China.
Hospedar-se ou mesmo conhecer um Hutong na primavera é ainda mais incrível, pois as flores estão por toda a parte. Um ambiente de sonho…
A primavera se apresentou com seus dias longos e tépidos, cheios de perfume das ameixeiras e cerejeiras em flor. Os salgueiros abriram plenamente suas folhas, as árvores se cobriram de verde folhagem, a terra apareceu úmida e vaporosa, grávida de frutos, e o primogênito de Wang Lung mudou de repente, cessando de ser um menino.
Pearl S. Buck, A boa terra
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