Além de ouvir, li em quase todos os blogs sobre turistas que voltaram totalmente diferentes, no modo de ver a vida e até em coisas simples, como a alteração de uma ou mais rotinas diárias. Minha vida não mudou, mas será as comidas da Índia mudariam minha forma de me alimentar?
*Esse Post faz parte da blogagem coletiva “Comidinhas pelo mundo”
“Uma viagem é capaz de mudar substancialmente a sua vida”. Este é o tipo de frase clichê ouvida ao contar que planejávamos conhecer a Índia.
A primeira recordação que tenho ao pensar nas comidas da Índia é a resposta a uma pergunta rotineira, que virou uma piada interna. O cardápio de oito páginas de um restaurante vegetariano em Jaipur respondeu à clássica pergunta: – E o que você come?
Não, a Índia não mudou a minha vida. Deixei de comer carne ao voltar da viagem do Camboja, quando percebi que algo me incomodava profundamente nos últimos meses, e que isso não precisava continuar acontecendo. Eu não precisava da carne de seres sencientes para meu paladar, muito menos para minha sobrevivência.
Conheci a Índia quando há 01 ano sem comer carne.
Mas se não mudou minha vida, a Índia mudou minha perspectiva.
Ela me abriu os olhos para o que é um país que incentiva culturalmente o vegetarianismo, que tem compaixão por todas as formas de vida, vidas capazes de dar e receber afeto. Ainda que isso historicamente tenha outros motivos.
O tabu em torno do consumo da carne de vaca começou a partir do primeiro milênio d.C. Segundo Jha, os brâmanes teriam se tornado vegetarianos para tentar retomar o terreno que haviam perdido para o budismo, que criticava o sacrifício de anilais. (…) Em janeiro de 2012, o governo de Madhya Pradesh, dominado pelos nacionalistas hindus, aprovou uma lei draconiana: o abate tornou-se uma ofensa punível com no mínimo sete anos de cadeia, mesma pena para tentativa de homicídio e sequestro.
Independente das razões que fizeram o Rajastão ser um estado eminentemente vegetariano, nesta viagem e pela primeira vez em um ano, me senti fazendo parte da maioria.
Os cardápios eram cerca de 80% vegetarianos, ao menos nas cidades do Rajastão que conhecemos: Udaipur, Jodhpur, Ranakpur, Jaipur, Fathekpur Siri, Agra e Nova Délhi. Isso quando o restaurante não era completamente vegetariano, algo muito comum também em todas as cidades que visitamos.
Conhecemos restaurantes não vegetarianos (claro que sem carne de vaca, mas com outros animais). O marido se animou a provar um frango e um cordeiro em duas ocasiões e se arrependeu nas duas. É que os indianos são especialistas em cozinhar vegetais, temperá-los e oferecer uma comida rica e saborosa, o mesmo não acontece com as carnes.
É possível, inclusive, que nos encontremos no único país capaz de encerrar um milhão de aromas numa cozinha que reúne luxo e facilidade, fausto e simplicidade, combinações que demonstram uma fantástica capacidade de sutileza e sedução”. Cozinha de País a País, Índia, Ignacio Medina.
A pimenta pode ser um problema, percebemos isso logo no primeiro dia, na primeira entrada do jantar. O Puri, pão frito muito vendido na rua e presente em quase todos os cardápios que vimos, é muito, verdadeiramente, apimentado. Em um momento pedi ao garçom algo “não apimentado”, quando ele respondeu de forma sorridente, mas irredutível, “-sem pimenta não há sabor”. Trouxe apimentado.
Ignacio Medina explica que a pimenta é um conservante natural, por isso essencial à culinária de um país tão quente e úmido, aumentando a vida útil dos alimentos e protegendo o organismo do ataque bacteriológico. Não sei bem sobre a veracidade desta proteção, mas não tivemos nenhum piriri na viagem 🙂
E para quem pensa que a comida se parece com a Tailandesa ou Cambojana, podem esquecer! A única coisa com as comidas da Índia é o gengibre, presente no carro chefe da comida indiana:
O tempero Masala – do café da manhã ao jantar
Feito com mais de 30 ingredientes e de sabor e cheiro inconfundível.
Eu me apaixonei pela Masala ao comer pela primeira vez o Dal Makhani, ensopado cremoso de lentilhas variadas (os indianos tem muitos tipos de lentilhas) com creme de leite, iogurte e Masala.
Este tempero é utilizado em muitos itens da culinária indiana, inclusive no Chá. O Masala Tea, mais conhecido como Chai, é feito com chá preto temperado com gengibre, cardamomo, noz moscada, cravo, canela, pimenta do reino e, ao final, se coloca o leite para ferver junto a esta deliciosa mistura.
O chá preto tem duas variedades: Darjeeling e Assam, o primeiro é mais delicado, enquanto o segundo mais escuro e forte. Eu comprei o primeiro na MV Spices em Jodhpur
A primeira coisa que um indiano faz quando se levanta é tomar uma xícara de chá com leite acompanhada de alguns biscoitos. Mas esse não é o café da manhã. É só para acordar. Em seguidas, eles comem os mais variados pratos salgados e condimentados, que variam de acordo com a região do país. No sul, podem ser os idlis (bolinhos esponjosos de farinha de arroz fermentado), dosas (crepes de farinha de arroz ou lentilha) ou vadás (rosquinhas fritas de pasta de lentilhas preta).
A índia é a segunda maior produtora de chá e, embora não tenha como provar isso, certamente é um das maiores consumidoras. Em todos os lugares que chegamos se oferecia chá, na chegada ou para digestão. É como nosso cafezinho.
E o café da manhã é exatamente como descrito acima, muitos pratinhos para se degustar, quase um almoço. Duas vezes que pedimos um café americano, nos arrependemos, não tinha sabor.
Sobremesas
Os doces indianos não são tão açucarados como os nossos. Os mais saborosos que comemos foram feitos com leite de coco e especiarias.
Um doce imperdível de se provar é o Lassi. Essa bebida de iogurte, manteiga e açafrão é realmente diferente e muito saborosa. Acredite! Sei que parece uma mistura meio estranha, mas segura na mão e vai! Provamos no lugar mais famoso de Jodhpur, o Makhania Lassi, próximo à praça do relógio, em uma esquina, vive cheia de gente e tem uma cocada de morrer!
Os pães e os queijos, ou melhor, o queijo
Se eu contar que até hoje sonho com os naans de alho que provei na Índia, vocês acreditam? O naan é um pão que lembra o árabe, mas é mais elástico e, na minha opinião, mais gostoso. Nos restaurantes encontramos de muitos sabores, cebola, alho, queijo, manteiga…
Já em relação aos queijos, não vi muita variedade, sempre a oferta era do Paneer, embora servido em vários estilos. Tanto temperado e sequinho, como dentro dos molhos, de espinafre (Malak), de lentilhas (Makhani ou Makha), masala (Dal). Ele parece um queijo branco, como nosso coalho, mas com menos sal.
Frituras
Há quem pense que toda comida vegetariana é saudável… não necessariamente. Vimos muitos indianos acima do peso e percebemos que eles adoram uma fritura. Provamos algumas delas e são bem feitas, sequinhas e, como toda fritura, deliciosas rsrs. Então esqueça aquela máxima de que as comidas da Índia são naturebas, podem ser bem junk food.
Até o pão Puri é frito, a comida de rua é frita. Essa última não provamos, melhor não dar sopa para o azar.
E a comida ocidental?
Encontramos comidas ocidentais em restaurantes mais turísticos e nos palácios. As bebidas alcoólicas também são encontradas com mais frequência nesses lugares, já que os indianos, talvez por sua influência muçulmana, não são adeptos ao álcool.
Ainda assim, em alguns lugares não turísticos, como no Lago Fateh Sagar em Udaipur, encontramos cerveja local, que são ótimas. O vinho indiano não é muito popular e é bem caro, vale apenas pela curiosidade. Só encontramos em restaurante muito chiques e turísticos.
Almoçamos em dois Hotéis-Palácios, o Leela em Udaipur e o The Oberoi Amarvilas em Agra. Sinceramente, só vale a pena se quiser conhecer o luxo de um palácio e observar os turistas estrangeiros e os indianos abonados.
Se for só pela comida, não compensa. A não ser que esteja correndo doido da pimenta, inexistente nestes hotéis. Eu procuraria um restaurante moderninho, como o Stepwell Café, em Jodhpur, mais barato, mais informal e muito bonito.
Restaurante moderno em Jodhpur, Índia
Quanto custa uma refeição?
Difícil dizer, comemos em palácios a um custo de cerca de R$150,00 por pessoa (com bebida alcoólica) – 5398 rúpias. E já um dos melhores restaurantes que comemos (e não foi dos mais baratos) custou 1135 rúpias para três pessoas, ou seja R$18,00 por pessoa, em um restaurante arrumado, com decoração linda, limpo e serviço impecável.
Se as comidas da Índia não mudar sua vida, não te instigar a tirar a carne do prato, ao menos vai fazer suas papilas degustativas mais felizes. Mas torço para que a mudança realmente aconteça, na Índia ou em qualquer outro lugar do mundo. Como disse o escritor indiano Rabindranath Tagore.
Tudo o que é grande e verdadeiro na humanidade está à nossa porta, como um hóspede pronto para ser convidado. Não lhe devemos perguntar de que país vem; devemos apenas acolhê-lo e oferecer-lhe o que possuímos de melhor
O livro de Ouro de Tagore, 1931.
Quer dar a volta ao mundo pela barriga? Tem um monte de post legal esperando para ser lido
27 Comentários
Viajando nos sabores | Tirando Férias | Blog de Viagens
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Juliana Brandao
27 de abril de 2017 em 15:17O que mais gosto no ser humano é a diversidade….eu já não gostei de quase nada da Índia. Eu moro na Inglaterra e restaurante indiano aqui não falta, claro que não é o original e tal.
Mas o cheiro de curry e pimenta até no café da manhã me deixava enjoada!
Mas adoro os pães indianos e o paneer também. Tanto que na gravidez me deu uma vontade louca de comer aqueles naans que só eles sabem fazer!!! hehehehe
Parabéns pelo post ficou muito bom e trouxe muita coisa que não dá pra conhecer deste país sem visitá-lo.
viagensinvisiveis
27 de abril de 2017 em 15:31Obrigada Juliana, eu realmente não me lembro de uma só comida que não tenha gostado. Até o puri, que é pimenta pura (desculpa o trocadilho) eu gostava, só tinha que lidar com a ardência na boca. E em relação à pimenta no café da manhã, acho que o méxico foi a porta de entrada para toda e qualquer tolerância em relação à pimenta. Beijão
Patricia
27 de abril de 2017 em 22:03Amei esse post!!! <3
Conhecer a Índia é um dos meus sonhos e consegui viajar um pouquinho lendo seu post.
Trabalhei em um restaurante indiano anos atrás e reconheci muita coisa aqui. Saudades desses temperos, pimentas e dos pães!
viagensinvisiveis
28 de abril de 2017 em 18:12Ah, que sonho trabalhar em um restaurante indiano e comer naan todos os dias rsrsrs Tb tenho saudades…
Diego Cabraitz Arena
27 de abril de 2017 em 22:13Conferindo seu texto e vendo essas fotos me bateu o arrependimento de não ter ido com minha tia para a India ano passado =/. Devia ter dado um jeito de ir. Quem sabe uma hora né? Ai aproveito todas essas delicias =)
viagensinvisiveis
28 de abril de 2017 em 18:12Não perca a próxima oportunidade, é uma viagem incrível!
Ana - voupraroma
28 de abril de 2017 em 13:44Adoro comida indiana! Em Sampa tem um maravilhoso!
Adorei o Post, delícia!!!!
viagensinvisiveis
28 de abril de 2017 em 18:13Manda o nome Ana, quando for em SP, certeza passar pra conhecer!
Vaneza Narciso
28 de abril de 2017 em 21:01Um belo texto com bela fotografia e ótima escrita!
Acompanhei esta viagem e fiquei curiosa, embora a Índia não é um país que esteja em minha lista.
Agora, quero saber, rsrs ? vc já testou alguma receita indiana em casa? já fez o chá?
viagensinvisiveis
1 de maio de 2017 em 21:10Simmmm! Já tô fera Vaneza, fiz o Palak com couve flor, fiz o Dal Makhani várias vezes. Só não sei fazer o pão 🙁
Cynara Vianna
2 de maio de 2017 em 10:27Ainda não fui à Índia e não sou vegetariana, mas quando for tenho vontade de aderir durante a viagem ao cardápio típico indiano, vi que é bastante variado. Gostei muito do post :).
viagensinvisiveis
3 de maio de 2017 em 20:32Vale a pena testar o paladar! Sei que não é para todos, mas certamente agrada a maioria. Beijão
Cristiane Rangel
4 de maio de 2017 em 10:09Post muito interessante. A culinária indiana é realmente muito interessante e tenho bastante vontade de conhecer. Não sou vegetariana, mas super toparia provar tudo, mesmo com medo de tanta pimenta rsrsrs.
Parabéns pelo post! Abraços
viagensinvisiveis
4 de maio de 2017 em 16:36A pimenta pega mesmo, mas com o tempo o corpo acostuma rsrsrs
Beneth Santana Torquato
4 de maio de 2017 em 12:44Que post incrível! Uma das coisas que amo fazer em minhas viagens é provar a comida local, e a Asia está me chamando! haha
Muito interessante a culinária da India, parabéns pelo post!
viagensinvisiveis
4 de maio de 2017 em 16:37Olha Beneth, se ela te chama eu sugiro que atenda! Ela me chamou e quando eu fui a primeira vez em 2015 viciei, agora quero ir todo ano rsrs.
Alessandra Maróstica de Freitas
8 de maio de 2017 em 00:14Nivia, este foi o post mais interessante e completo que já li sobre culinária indiana. Confesso que eu tinha muito preconceito com a comida de lá. Já ouvi diversos boatos, muitos deles ruins. A forma com que você foi descrevendo os pratos e a cultura por de trás, foi me envolvendo de tal maneira, que agora quero muito conhecer a Índia. Com certeza vou provar a comida local sem medo. Como carne, mas também adoro pratos vegetarianos. O que sinto falta as vezes, é justamente a falta de variedade e diversidade nos sabores. Em casa mesmo, quando vou fazer algum prato com vegetais, fico procurando receitas e temperos diferentes. Por isso tenho certeza que a Índia vai me surpreender também no quesito alimentação! Parabéns pelo post! Bjs Ale.
viagensinvisiveis
9 de maio de 2017 em 11:24Obrigada Alessandra! A maioria dos boatos são sobre a comida de rua e as infecções intestinais advindas dela rsrs. Diversidade é o que mais tem na Índia e certamente vc vai trazer vários temperinhos para casa. Bjs
GISELE G PROSDOCIMI
10 de maio de 2017 em 00:43Uauuuu, que relato incrível de comidinhas que nunca tinha visto antes.
Confesso que sou carnívora em primeira grau e não me vejo em uma viagem comendo só vegetais, grãos e outras comidas onde a carne de boi não esteja incluída.
Tudo bem que tem frango e frituras, mas achei tudo tão diferente que mesmo assim, ainda achei estranho.
Uma viagem à Índia tem que se pensar muito, sobre o que encontrar, quem encontrar e o que comer. Melhor pensar duas vezes antes de embarcar, embora pareça ser fascinante.
viagensinvisiveis
12 de maio de 2017 em 18:44Realmente é uma viagem a se pensar, mas com o coração aberto, até as carnívoras podem se apaixonar Gisele, beijinhos
Lidiane
14 de maio de 2017 em 13:46Ótimo post pra conhecer um pouco mais da culinária indiana. Mas acho que meu estômago não aguenta muito esses temperos por muito tempo, ainda mais o curry. Mas que bom que você se sentiu “parte da maioria”, acho que dá a sensação de estar no lugar certo! rs
viagensinvisiveis
17 de maio de 2017 em 21:11Verdade rsrs, mas eles não usam muito o curry, é mais o masala. Ok, os dois tem sabor marcante, mas acho o curry mais ácido e mais difícil de digerir.
O que e onde comer em Asunción, no Paraguay. - Uma Viagem Diferente
22 de julho de 2017 em 18:03[…] Viagens Invisíveis- Comidas da Índia – O paraíso dos vegetarianos é aqui […]
Joao
12 de agosto de 2018 em 12:03Amei!
Diga se vc concorda com o meu:
https://joaobarrigudo.pt/comer-na-india/
Dois dias em Jodhpur, a cidade azul da Índia - Viagens Invisíveis
1 de outubro de 2018 em 11:01[…] indiano e não porque não gostássemos da comida indiana (eu fiquei verdadeiramente apaixonada, como contei nesse post). O Stepwell nos conquistou porque ficava em frente ao nosso lugar favorito na cidade – a […]