Domingo, dia escolhido para percorrer alguns quilômetros entre os bairros de Coyoacán e San Ángel. Chegamos até Coyoacán pelo metro Viveros e, logo ao cruzar o enorme Parque Viveros (e perceber que, sí hay qualidade de vida na Cidade do México), a mudança na arquitetura da cidade é aparente. Os prédios de tamanho mediano foram cedendo espaço para lindas mansões coloniais.
Lembra bastante o bairro de San Telmo em Buenos Aires, mas bem mais tranquilo, com ruas mais largas e carros mais novos.
Ao cruzar a esquina da rua Londres, encontramos uma casa no mesmo estilo das outras, que seria facilmente ignorada, não fosse o fato de ali ter vivido a maior parte dos seus anos: Frida Kahlo. Hoje Museu Frida Kahlo ou Casa Azul. É um dos poucos museus do DF que cobram a entrada aos domingos e ainda mais um valor para entrar com a máquina, o que vale cada centavo.
A primeira sala concentra a maior parte das obras da artista que estão no Museu e, infelizmente, não são muitas. A casa vale mais como atrativo, embora estejam obras importantes, como este auto-retrato de 1926, considerado o primeiro trabalho sério da artista – Auto Retrato com Vestido de Veludo.
Não tirei a foto em close, para que se tenha dimensão do tamanho da obra, parece um postal. A maioria das obras são de dimensão pequena, mas recheadas de detalhes preciosos e demonstrando o apuro técnico da pintora. Esta natureza morta impressiona, tanto pela dimensão, como pelo nome paradoxal, já que esta natureza parece tão viva quanto a floresta amazônica.
No Retrato de Meu Pai de 1951, quase podemos adentrar nestes enormes olhos verdes, que parecem ter visto tudo. A dedicatória é bem amorosa “ Pintei o meu pai, Wilhelm Kahlo e, de origem húngaro-germana, fotógrafo artístico de profissão, de carácter generoso, inteligente e delicado, corajoso porque sofreu de epilepsia durante sessenta anos, mas nunca deixou de trabalhar e lutar contra Hitler com devoção. Sua Filha, Frida Kahlo.”
Um dos seus quadros que mais gosto é o “Unos Cuantos Piquetitos”, que aparece neste cartão em preto e branco (possivelmente um estudo para o colorido que se encontra no Museu Dolores Olmedo). Em preto e branco ainda guarda muita dramaticidade, com suas camadas de sangue e a frase horrenda. As duas pombas segurando o título, a pintura desgastada da parede, a meia abaixada, a nudez. Tudo parece muito surreal, mesmo ao falar da mais pura realidade. A violência me parece sempre surreal.
A obra O Hospital Henry Ford ou A Cama Voadora está logo ao lado. Andrea Kettenmann interpreta lindamente este quadro “Apesar de cada motivo estar delineado no quadro com pormenores precisos, o realismo da vida real é evitado, de uma forma geral, na composição. Os objetos são extraídos do seu habitat normal e integrados em uma nova composição. Para a artista, é mais importante reproduzir o seu estado emocional numa destilação da realidade que ela experimentara, do que registrar uma situação real com precisão fotográfica.”
Muitos objetos da artista estão na casa, como roupas, adereços, o estúdio com tintas e pinceis, o colete que segurava a sua cintura.
Para não sair da tradição, havia um altar do dia dos mortos.
A casa em que Trotski foi assassinado está próxima, vale pelo interesse histórico. Esta casa foi apelidada como a “pequena fortaleza”, atualmente é um museu, mas não adentramos. As janelas foram cobertas por tijolos, para proteção dos tiros dos capangas de Stalin, mas não evitaram o crime de confiança, já que foi morto por um “amigo”.
O Mercado de Coyoacán também está nas redondezas e foi uma grata surpresa. Tem de tudo, mas o que mais nos interessou foram as bancas de comida. Estes enormes “cavacos” uma certa irmã minha iria adorar.
Doces, pimentas enormes, várias famílias almoçando, miúdos sendo misturados com as mãos…
Provamos as Tostadas de Polvo (R$ 6.5) com bastante polvo e uma salada deliciosa. O molho era picante na medida certa, a melhor comida típica provada até agora. Um sucesso!
Haviam outras de camarão, frango e até de mocotó.
Acompanhou um refrigerante de frambuesa, que lembra a nossa Tubaína.
A caminhada nos levou até a Praça Hidalgo, onde está a prefeitura, em um prédio histórico, um rico altar do dia dos mortos e um bem cuidado jardim.
Na praça, estava acontecendo uma feira de comida típica e acabamos provando os insetos, que já havíamos visto em Mixquic. Este vermelho até que não era de todo ruim, parece um camarão defumado, mas os grilos, bem… têm gosto de grilos.
A cidade inteira parece enfeitar-se na semana do dia dos mortos, na Praça Centenário tapetes e portais de flores.
Em frente pode-se tomar um sorvete do La Siberia, não tão gostoso como propagandeado ou uma cerveja, nos agradáveis bares da praça. Provamos a cerveja Victoria, esta excelente.
A Av. Francisco Sosa está à direita da praça e se inicia praticamente com a Igreja Santa Catalina, onde ocorria missa.
Repleta de casas coloniais, altas e frondosas árvores, realmente é muito agradável.
Mas vale uma recomendação: Se decidir conhecer a Av. Francisco Sosa, vá alimentado, com calçados confortáveis e bem tranquilo. Porque todos avisam ser a av. mais bonita da Cidade do México, o que poucos dizem é que é enorme e com pouquíssimos locais para uma parada, ao menos no domingo.
A casa de Octavio Paz, estava fechada.
Após mais de 3km de caminhada Chegamos até uma rua que concentra excelentes restaurantes, já no começo do bairro de San Angel. Entramos no Cluny porque era o único com mesas externas. O restaurante é famoso na cidade e nos pareceu bem movimentado.
O marido foi de Tartar de Salmão.
Provei uma Crema Del Recuerdo – sopa em fogão mexicano, com aromas da flor de calabaza, elote, chili poblano e epazote, com um toque final de creme e rayas poblanas.
A comida estava bem saborosa, o problema foi encontrar, no final do prato, o secreto do sucesso:
Sim, é isso mesmo que estão pensando: uma lagarta ou um verme, sei lá, algo que não deveria estar ali.
O marido queria reclamar, chamar o garçom mas o fato é que eu já tinha terminado de comer… Ou seja, não havia remédio a ser dado. Não pagar o prato, não acho opção. Avisar a cozinha, sim, mas sem alarde. Separei o bichinho e deixei bem no canto do prato e entreguei ao garçom, para que o mesmo pudesse apreciar. Ele olhou e levou, mas não sei se viu, não me deu retorno… Afinal, depois de comer grilos, o que são lagartas 🙂
Ao final desta rua já está o Museu Del Carmen, um antigo convento, com lindas cúpulas de mosaicos coloridos. A Igreja estava fechada, mas o museu aberto e de graça, como acontece aos domingos. A principal atração deste museu são as catacumbas, mas o local estava em reforma, fechado para a visitação. A solução foi interessante: colocaram enormes fotos das múmias junto ao altar de dia dos mortos, ficando uma composição horrorizante.
As bonitas cúpulas são vistas em uma rua lateral, antes do museu.
Logo em frente há uma praça com interessantes obras de arte de artistas locais.
Subindo a Av. Altavista está a Casa Estúdio de Diego Rivera, onde ele e Frida moraram. As duas casas geminadas foram construídas por Juan O’Gorman, um arquiteto renomado. Não há cerca, apenas cactos. Para quem gosta de compras, logo ao lado há um shopping com grifes bem básicas, pude ver a Louis Vuiton, a Tiffany, Carolina Herrera…
O estúdio está muito bem preservado, mas quem espera ver muitas obras do artista, pode esquecer. Melhor ir ao Dolores Olmedo em Xochimilco. Vale mais pela casa em si e por poder ver o estúdio com objetos do artista.
Também havia um altar dos mortos dedicados a ele e uma sala com video sobre a vida de Diego Rivera.
Em frente à Casa-Estudio está um dos restaurante mais elegantes da Cidade do México, o San Angel Inn, mas como já tinha almoçado lagartas, deixei para a próxima.
Adoro caminhar por bairros históricos e, ao mesmo tempo, que ainda guardam o caráter residencial. Parecem manter um pouco da personalidade de quem reside nele.
A cidade e seus bairros formam assim uma aréola involuntária de desejos, memórias, adivinhações, pleonasmos, instâncias lúdicas que criam como que um arco suspenso sobre cada bairro, cada rua, cada família e cada vida. Você, eu, todos sabemos. Carlos Fuentes.