Depois de três dias inteiros na África do Sul ainda não tínhamos sentido diretamente o problema ou a questão racial. Observamos alguns pontos como o fato de nenhum gerente ou proprietário ser negro nos estabelecimentos que frequentamos e que a maioria dos funcionários que prestavam o atendimento eram negros. Isto também ocorre no Brasil, ressalvadas as devidas proporções, e talvez por isso não nos chocou tanto.
Fomos a museus com a temática do apartheid e ficamos tremendamente emocionados, como tratei no post sobre o centro da Cidade do Cabo.
Pois não é que em Franschhoek, a questão racial nos enfrentou destemidamente, como um murro na face, como um atropelo?
Vidiadhar Naipaul tinha alertado para a quase impossibilidade de não ser atingido pelo racismo, ao conhecer a África do Sul.
“Quando comecei este livro, eu pretendia ficar longe de questões políticas e raciais, olhar abaixo desses temas e enxergar o âmago da crença africana. Mas, um pouco como Fatima em busca de sua identidade, eu me senti encurralado na África do Sul, e vi que aqui era tudo e um pouco mais; que a raça mergulha tão fundo quanto a religião em outros lugares.” V.S. Naipaul, A Máscara da África.
Como tinha dito no post anterior, no segundo dia de visitas a vinícolas, nosso motorista designou a mãe nos pegar na wine tasting da Dieu Donné.
Os poucos minutos que ficamos com a mãe dele, simpática senhora de mais de 70 anos, transcorreram em uma conversa engraçada e dinâmica.
Como tinha dito no post anterior, no segundo dia de visitas a vinícolas, nosso motorista designou a mãe nos pegar na wine tasting da Dieu Donné.
Os poucos minutos que ficamos com a mãe dele, simpática senhora de mais de 70 anos, transcorreram em uma conversa engraçada e dinâmica.
Ela nos contou que falava mais de três das línguas oficiais da África do Sul: Inglês, Africâner e Xhosa. Fiquei surpresa, já que a senhora era de origem claramente européia, muito branca, e confirmei com ela que Xhosa era a língua originária de Nelson Mandela.
Ao chegar na vinícola La Petite Fermé, fomos atendidas por uma simpática garçonete que nos atendeu e se esforçou em entender meu inglês claudicante. Até que um de nós (acho que fui eu, em mais uma oportunidade perdida de ficar calada) perguntou:
– Além do inglês você fala xhosa?
Prontamente e rispidamente, ela respondeu:
– Não. Não sou negra.
Imediatamente saiu, enfurecida. Não retornou senão com a expressão fechada, constrita. Pensei em pedir desculpas, mas desculpa de quê?
Aqui no Brasil, ela poderia ser chamada de negra ou afro-descendente, sem nenhuma dúvida. Talvez o tom de pele não fosse igual ao de outras pessoas que vimos. Talvez fosse mais próximo ao meu tom de pele, uma mulata, uma morena escura, enfim… E mais sério ainda, somente os negros falariam xhosa? Que negros?
Percebi que estávamos em um problema real, onde as questões raciais ainda estão muito afloradas, em que o chamado “orgulho negro”, tratado em alguns livros como o “Beethoven era 1/16 negro”, estava mais para um embuste.
E que a língua, expressão viva da sociedade, apenas refletia de forma mais pungente as dificuldades de se lidar com um sentimento de inferioridade, fomentado como teoria por tantos anos, em um regime racista e, acima de tudo, psicologicamente opressor.
“num país que, por si só, era uma Torre de Babel: onze línguas oficiais, depois da mudança de regime.”
Nadine Gordimer, Beethoven era 1/16 negro.
Hoje, com Nelson Madela em estado de saúde delicado, espero sinceramente que os africanos consigam superar esta ferida aberta que o regime do Apartheid infligiu. E que eu ainda retorne a Franschhoek para aprender xhosa com alguma morena, negra ou mulata, assim bem orgulhosa como eu.
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