Ontem assisti Medianeras, de Gustavo Taretto, o fato de ser argentino e ter um roteiro interessante já são quase sinônimos para mim, porém este filme mereceu um post aqui. Explico. Nunca assisti uma sucessão de imagens tão apaixonadas por uma cidade, estranhamente apaixonadas, como em Medianeras. No intrigante signo da solidão, edifícios e edifícios que guardam e afastam pessoas são “narrados” e adquirem personalidade como os dois protagonistas. Únicos personagens, à exceção dos prédios.
Para uma apaixonada por Buenos Aires, antes mesmo de conhecê-la (Achava impossível não gostar do lugar em que tinham nascido Borges, Cortázar, Sábato e Bioy Casares, talvez meus preferidos autores em sua respectiva ordem. Depois descobri que Cortázar nasceu em Bruxelas, dentro da embaixada argentina, e Sábato em Rojas, que em verdade está na província de BAs…)
Continuando, para uma apaixonada por Buenos Aires, ou vibana (sinônimos pelo dicionário do viaje na viagem) a possibilidade de passar 1:30min assistindo ao desfile de seus edifícios, ruas e parques, já seria chamativo suficiente, mas, para minha surpresa e espanto, o filme é muito mais do que isso!
Logo no início percebemos quem observa, com repulsa e tensão amorosa, a cidade de Buenos Aires, suas diversas moradias e paredes, suas janelas como olhos invadindo a cidade, suas discrepâncias e a solidão dos que se evitam em uma metrópole.
Estoy convencido de que las separaciones y los divorcios, la violencia familiar, el exceso de canales de cable, la incomunicación, la falta de deseo, la abulia, la depresión, los suicidios, las neurosis, los ataques de pánico, la obesidad, las contracturas, la inseguridad, el estrés y el sedentarismo son responsabilidad de los arquitectos y empresarios de la construcción.
Neste impiedoso monólogo, as imagens da Igreja Ortodoxa Russa, do Edifício Kavanagh, e a falta de pressa com que as imagens da bela BAs vão se sucedendo, mesmo quando permeadas por fios, antenas e exaustores, contrastam com a melancolia do poder de separação do concreto. As medianeras (laterais dos edifícios em que não podem ser construídas janelas ou aberturas) são o primeiro indício de que a vida não observa as regras dos tijolos e que estes mesmos talvez impulsionem outro tipo de transgressão, a ousadia da aproximação, da arte e da beleza. As várias imagens das plantas furando o concreto são incrivelmente bonitas.
E embora fale muito sobre incomunicabilidade e superficialidade das relações, desde o princípio percebemos que os desencontros acontecem, mas os eventuais encontros podem ser recheados de poesia e amor. Sabemos que em um momento a claustrofobia vai passar, ainda que continuemos dentro da mesma caixa de fósforo.
E que a qualquer momento, sem perceber, podemos ser atingidos como um raio pelo olhar do outro e pôr fim à nossa solidão.
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